sábado, 15 de setembro de 2007

A sociedade da informação


Um artigo de Armand Mattelart, publicado no Le Monde Diplomatique, trata dos problemas do conceito de "sociedade da informação", sobretudo de como essa arquitetura da rede serve de base para uma nova ordem mundial. No texto, ele afirma que "a noção e o projeto da “sociedade da informação” tornaram-se assim uma evidência histórica, sem que os cidadãos tivessem tido oportunidade de exercer seu direito a um verdadeiro debate." Ele expõe também a outra face oculta das novas tecnologias da informação: a vigilância.

Abaixo alguns trechos do artigo.

"A “sociedade da informação”: uma história em três etapas

No coração dessa novilíngua, imperam as noções de “sociedade da informação” e de “sociedade global da informação”, erigidas em paradigmas dominantes da mudança social e em cauções de um mundo mais transparente. Sua história de longo prazo inicia-se nos séculos 17 e 18 com o pensamento do quantificável e do mensurável como o protótipo de todo discurso verdadeiro. Sua história mais recente inicia-se no final da Segunda Guerra Mundial e se prolonga pelas duas décadas seguintes. Sua história de curto prazo, finalmente, o espaço-tempo que os historiadores chamam de “presentismo”, opera sob o domínio da corrida atual.

Ninguém falou melhor da história de longo prazo do que o escritor argentino Jorge Luis Borges, quando se refere ao mito da construção de uma língua artificial partilhada por todos como fundamento de uma comunidade universal, de uma comunicação perfeita. É o “Congresso” imaginado por don Alejandro Glencoe em Libro de Arena. É a quimera da construção arbitrária de uma língua analítica por John Wilkins em Otras Inquisiciones. Se o inventor da cibernética, Norbert Wiener, designou, em 1948, precisamente Leibniz como santo padroeiro da nova ciência, foi não apenas porque esse inventou o sistema de numeração binário e o cálculo diferencial, mas porque, por meio de seu projeto de automatização do raciocínio, também procurou criar uma lingua characteristica, uma língua “artificial” isenta dos defeitos das línguas naturais, fonte de desentendimentos e discórdia, uma língua que fosse capaz de contribuir para a criação de uma comunidade universal.

Nos anos 1960, a tese principal era que a convergência do telefone, da televisão e do computador estava em vias de transformar o mundo em uma “aldeia global”. Mas a única potência que atingiu esse estágio foi os Estados Unidos. Suas indústrias culturais e redes de informação e comunicação veiculam os valores de um novo universalismo. A sociedade global será então a extrapolação do arquétipo nascido nos Estados Unidos. O tempo das relações de força imperiais passou. A “diplomacia das canhoneiras” dará lugar a uma “diplomacia das redes”, e a atração natural exercida por um modo de vida já provado passará à frente das estratégias coercitivas.

O fim da Guerra Fria, em 1989, e a irrupção da Internet, a partir de 1994, impulsionaram a informação e suas redes para o seio das doutrinas sobre a construção da hegemonia mundial. O domínio da informação converteu-se, na linguagem geoestratégica, no princípio das “três revoluções”: nos assuntos militares, diplomáticos e comerciais. O controle das redes (“globalinformation dominance” — domínio da informação global), impôs novas maneiras de guerrear (a “guerra limpa”) e novas estratégias para a integração do conjunto das nações em torno do mercado mundial (o “soft power” — uso da persuasão para impor seus objetivos a outros países).

Década de 2000: a guerra global ao terrorismo desacredita a ideologia do “fim do Estado”. A obsessão pela segurança põe em evidência a face oculta das tecnologias da informação: a vigilância.

Ao longo da década seguinte, iria se desenvolver, na Unesco, a idéia da caducidade do modelo vertical de comunicação — fluxo de sentido único para a informação— e da recusa de uma comunicação da elite para as massas, do centro para a periferia, dos ricos (em matéria de comunicação) para os pobres. A partir dos anos 1980, as desregulamentações descartaram o conceito ainda embrionário. Mas, desde 2001, os quatro princípios-chave que fundamentam esse “direito à comunicação” — liberdade, diversidade, acesso e participação — estão no centro dos canteiros abertos pelo movimento social sobre a diversidade das expressões culturais e midiáticas. É a grande batalha atual."

Nenhum comentário: